Mistérios Femininos

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Uma coisa especial ocorre com a mulher depois que ama.
Reparem, estou dizendo, depois que ama.
Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor.
Disto se pode falar também,
e a literatura a partir do romantismo e depois o cinema,
modernamente,
já tentaram de várias formas simular na relação amorosa
como a mulher suspira,
se contorce, desliza as mãos e entreabre a boca do corpo e da alma.
Mas, quando digo " depois que ama ",
refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo ou gozos,
e que perdura horas e horas e às vezes dias.
Fica macia que nem gata aos pés do dono.
Mais que gata, uma pantera doce e íntima.
Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga.
A vida não transcorre mais a contrapelo.
Desliza.
Ela tem vontade de conversar com as flores
, com os pássaros, com o vento.
Sobretudo, descobre outro ritmo em sua carne.
É tempo do adágio, de calma e fruição.
Neste período, aliás, o tempo pára.
Em estado de graça ela se desinteressa do calendário.
O cotidiano já não a oprime.
As tarefas da casa,
pesadas em outras ocasiões,
tornam-se leves,
os compromissos mais enjoados podem ser acertados,
as tragédias dos jornais já não lhe dizem tanto respeito.
O trabalho do escritório torna-se leve,
pode ser feito quase cantando.
Algumas desenvolvem uma súbita necessidade
de te undo com pratos sutilíssimos e saborosos.
O fato é que a mulher nessa atmosfera sai do trivial,
se angeliza e glorificada pervaga pela casa.
O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta.
Em geral, nunca se dá conta.
Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor,
e depois se deixa levar pela trivialidade,
deixando-a solitária em sua felicidade clandestina.
Na verdade, ela sobre paira ao tempo,
está adejando em torno do amado,
que deveria suspender tudo para sentir desenhar-se
em torno de si esse balé de ternura.
Deveria o homem avisar ao escritório:hoje não posso ir,
estou assistindo à reverberação do amor naquela que amo.
E como isto se assemelha à floração rara de certas plantas, os amados deveriam interromper tudo:
seus negócios e almoços e ficarem ali, prostrados,
diante da que celebra nela o que ele ajudou a deslanchar.
Já vi algumas mulheres assim.

Era capaz de pressentir a 115 m
que elas estavam levitando de tanto amor
que seus amados nelas desataram.
Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma.
Que não esteja distraído o parceiro ou parceira.
Ela tem mesmo um perfume diverso das demais.
É um cio diferente.
É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea, tranqüila que, mais que possuída,
possui algo que atingiu raramente.
As outras mulheres percebem isto e a invejam.
Os machos farejam e se perturbam.
É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar.
É quase parecido a quando a mulher vive a maternidade.
Mas aqui é ainda diferente, porque na maternidade existe algo concreto se movimentando dentro dela.
Contudo,
nessa atmosfera que se segue a uma epifânica sessão de amor,
é diverso,
porque ela está acariciando uma imponderável felicidade.
Estou falando de uma coisa que os homens não
experimentam assim.
O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir
pouco depois do próprio ato.
Só os escolhidos, os de alma feminina, vez por outra,
o sentem prolongar-se dentro de si.
Mas em geral, é diferente.
Terminado o ato,
uns até rolam para o lado e dormem
como se tivessem tirado um fardo do ombro,
outros acendem o cigarro,
vestem suas ansiedades e voltam ao trabalho.
É constatável, no entanto, que o homem apaixonado
também transmite força, alegria, energia.
Ele oscila entre Alexandre o Grande e o artista que
chegou ao sucesso !
Também brilha.
Mas é diferente.
E não é disto que estou falando,
senão do gozo feminino que não se esgota no gozo
e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio.
Freud andou várias vezes errando sobre as mulheres e,
por exemplo,
colocou equivocadamente aquela questão de que a mulher
teria inveja do homem por ser este um animal fálico, etc.
Convenhamos:
inveja têm (e deveriam ter) os homens quando prestam atenção no fenômeno que ocorre com as mulheres,
que ao serem amadas atingem o luminoso êxtase de si mesmas, como se tivessem rompido uma escala de medição trivial
para lá da barreira dos gemidos e amorosos alaridos.
É isso:
quando a mulher foi amada e bem amada, ela ingressa nessa atmosfera sagrada, cuja descrição se aproxima daquilo que as santas estáticas descreveram.
Uma aura de mistérios as envolve.
E isso, por não ser muito trivial, por não ser nada profano,
talvez se assemelhe aos mistérios gozosos de que muitos místicos falaram.


  • Autor: Affonso Romano de Sant'Anna






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